VITOR ROSA 24/04/2024 -
Aberta em
agosto passado, a clínica
geriátrica Dulce La Vitta, no bairro Morro Santa Tereza, em Porto
Alegre, acumula
queixas de familiares de idosos que residem lá e virou alvo de uma investigação
policial.
Entre março e abril, oito ocorrências policiais foram registradas
na Delegacia do Idoso de Porto Alegre por supostos crimes cometidos no local,
que envolvem maus-tratos, furto e estelionato.
A clínica
também já foi autuada pela Vigilância Sanitária de Porto Alegre por falta de
alimentos e problemas de higiene.
A reportagem conversou com uma das
denunciantes. Joana Aita Costa decidiu quebrar o silêncio para evitar que
outras pessoas passem pela mesma situação. Ela relata que sua tia-avó, uma
idosa de 95 anos, perdeu quase 20 quilos nos seis meses em que ficou no local:
— Ela chegou bem saudável e saiu
de lá desnutrida, desidratada e com suspeita de pneumonia.
A família de Joana descobriu a
clínica pelas redes sociais e se encantou após a visita ao local:
— Depois de alguns meses, a gente
começou a ver que a coisa não era tão maravilhosa assim.
A tia de Joana não fala e tem dificuldade de locomoção por conta
de um acidente vascular cerebral (AVC), sofrido antes de ir para a clínica.
A reportagem também conversou com
um outro idoso que residiu no local por quatro meses. Lúcido e independente,
ele decidiu sair por conta própria por causa das condições. O maior problema,
segundo ele, era a falta de higiene. Os vasos sanitários chegaram a ficar entupidos
entre os meses de novembro e fevereiro e era muito comum a falta de papel
higiênico e fraldas geriátricas.
O idoso ainda relata problemas com
a alimentação:
— De manhã, eram três bolachas e
um pedaço de pão. Não tinha café, não tinha leite, vez ou outra era um
suplemento alimentar. No almoço, era arroz com salsicha, polenta com uns
pedacinhos de salsicha ou arroz com poucos pedaços de frango. Tu imagina 40 pessoas
com três coxas e sobrecoxas picadas? De noite, de novo, três bolachas e esse
suplemento, que a gente não sabe o que era.
O idoso também registrou uma
ocorrência por furto de um pertence que não teria sido devolvido quando saiu.
Joana e a família afirmam o mesmo: não puderam pegar todas as roupas e
eletrodomésticos que haviam levado para a idosa.
Autuação da Vigilância Sanitária
A delegada Ana Caruso, da
Delegacia do Idoso, aponta que a clínica também é investigada por falta de
assistência médica em casos de acidente:
— São vários relatos de que eles
eventualmente quebravam algum osso e não eram levados para o hospital e só
recebiam analgésicos. Aí, quando o familiar visitava, eles relatavam que tinham
muitas dores, os familiares levavam aos hospitais e aí sim era feita a
radiografia e descobriam que estavam com fraturas.
Uma outra ocorrência que chegou
à polícia trata de uma idosa que era mantida nua no lar, só de fralda, em meio
a outros pacientes, mesmo homens. Para a delegada, era "uma forma de
facilitar o trabalho das cuidadoras".
Além das ocorrências de
maus-tratos, uma das frentes da investigação é por estelionato. Isso porque há
a suspeita de que o serviço anunciado pelos proprietários era um e a realidade
encontrada, diferente.
— Elas diziam que eram
enfermeiras, que tinha um salão de jogos, que tinha uma sala de fisioterapia e,
na verdade, a dona não é enfermeira, ela tem um curso de primeiros
socorros apenas, não existe a tal sala de jogos, sala de fisioterapia,
segundo nos relataram, nem nós vimos lá na visita — pontuou a delegada.
A Vigilância Sanitária esteve na
clínica no dia 11 de abril e autuou a dona do local. De acordo com a inspeção
do órgão, foi constatada "a falta de alimentos, cozinha sem condições de
higiene, falta de recursos humanos para a garantia dos cuidados aos residentes,
sem condições de higiene adequadas nas dependências da geriatria, colchões sem
revestimento impermeável".
A vigilância ainda apontou que o
material de higiene dos residentes, como escovas, estava agrupado na mesma
caixa. Outro ponto levantado pelos agentes de saúde é de que a "lavanderia
não evidenciava as rotinas de higienização para as roupas e as roupas estavam
sujas e acumuladas".
O que diz a clínica
A clínica Dulce La Vitta está
registrada em nome de Jonathan Santos Silva, mulher trans que se identifica
como Ariane e ainda não fez a mudança de documentos junto à Justiça. Tem o
registro do CNPJ em 9 de agosto de 2023.
A reportagem esteve no local na
última segunda-feira (22). Ao chegar, Ariane não estava e funcionários ligaram
para ela, que prometeu chegar em 30 minutos. No tempo de espera, teve início
uma confusão. Uma das pessoas gritava:
— Eu quero ir embora, eu quero
ir embora! Eu não estou louco.
Ariane negou todos os relatos de
familiares de residentes. Também alegou que as denúncias estão sendo feitas por
pessoas que não pagavam a mensalidade:
—Não confere essa informação,
inclusive são pacientes que os familiares tiraram da clínica porque a gente
ficava em cima. Não pagavam a mensalidade em dia, material dos pacientes não
era trazido, não vinham visitar os familiares. Essas informações não conferem.
A reportagem perguntou como ela
avalia o trabalho da clínica:
— Meu trabalho é ótimo, tem
nutricionista, a casa tá sempre bem limpinha.